segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

A ESCUTA NO AMBIENTE HOSPITALAR CENTRADA NA POESIA

A ESCUTA NO AMBIENTE HOSPITALAR CENTRADA NA POESIA

Luciana Moreira[1]


Resumo: A escuta é uma vertente da linguagem oral, juntamente com a fala. Seu estudo pode ser concebido como parte indispensável da oralidade, logo, pode-se perceber que se trata de comunicação. Sendo assim, parafraseando Paulo Freire a escuta do mundo (prestar atenção nos anúncios proferidos, trocar olhares e gestos com o locutor, avaliar a fala do outro e, disto saber responder de acordo com o eu foi dito), precede o ato da fala. Ou seja, escutar é um exercício involuntário, porém requer atenção por parte do ouvinte, enquanto receptor do enunciado; já a fala, no papel de protagonista do diálogo e da comunicação, necessita antes, receber uma mensagem para que seja iniciada, proferida. Esta escuta, como forma de socialização pode atender a diferentes espaços, onde há pessoas, porém, é no ambiente escolar que este aprendizado se consolidará.  Quando o ambiente escolar caracteriza-se na forma de classe hospitalar, o pedagogo tem importante papel a ser desempenhado: a escuta precisa ser desenvolvida e ampliada, ainda mais. Partindo dele próprio, em relação a cada caso, até as diferentes abordagens para com o paciente não tão paciente assim. Logo, a poesia, assim como a escuta, enquanto linguagem oral tem como princípio a comunicação. Em se tratando de um ambiente hospitalar, é válido ressaltar que esta comunicação, por hora cansativa, faz-se presente através da ludicidade, da troca de experiências, trazendo benefícios no tratamento do paciente. O pedagogo hospitalar, junto com a criança, é que irá trilhar o caminho da escuta através da poesia, todavia, a escuta partirá também, do professor, em relação ao escolar e suas prioridades e do próprio em relação à equipe multidisciplinar hospitalar, a sua família e a si próprio.  
Palavras-chave: Escuta, classe hospitalar, poesia, comunicação.
1            INTRODUÇÃO
O interesse pela poesia surgiu a partir da necessidade de escrever um artigo que envolvesse a escuta na sala aula, e sua mais ampla ramificação, envolvendo a pedagogia hospitalar. Muitos temas poderiam ser abordados, porém, o desejo de revelar e investigar a classe hospitalar como objeto de estudo surgiu por meio da curiosidade e pela pouca informação que população possui sobre o tema. Se nos dias atuais pouco se trabalha a escuta a, como linguagem oral nas escolas tradicionais, na classe hospitalar, então, este contexto quase não é abordado como estudo linguístico, pouco se valoriza como corrente de estudos linguísticos e didáticos.
Pois bem, o objetivo principal deste artigo dá-se, então, em conscientizar uma camada da sociedade, em especial, os da área da educação dentro do ambiente hospitalar, bem como toda sua equipe multidisciplinar que envolve desde os médicos especialistas, passando pela enfermaria, nutricionistas, assistência social e pedagogos hospitalares, até a família do paciente e os professores da escola de origem; a olhar o escolar doente como agente participante de seu tratamento, em busca da cura.
Esta conscientização envolve muito além dos conteúdos pedagógicos da aprendizagem na sala de aula, requer que o pedagogo hospitalar humanize este tratamento, busque um relacionamento de respeito mútuo entre a equipe multidisciplinar, tentando reinserir-se na sociedade após o período de internação através da educação e da escuta pedagógica.
Logo, este artigo tem como função abordar a escuta centrada na poesia dentro do ambiente hospitalar, como colaboradora no tratamento do aluno internado, fazendo com que ele seja agente de seu aprendizado, e não paciente.    
2               FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1            O QUE É ESCUTA?
A escuta é uma vertente dos estudos da língua oral, juntamente com a fala. Apesar de ambas caminharem lado a lado, separá-las para objeto de estudo faz-se necessário. A preocupação com o desenvolvimento da oralidade dos alunos é muitas vezes deixada de lado, todavia, precisa ser retomada, bem como desintegrá-la, para sua melhor compreensão e entendimento.  
Segundo Ferreira (2011, p. 385) escuta significa “prestar o ouvido a; dar atenção a; tornar-se atento para ouvir; deixar-se guiar”. Escutar é um exercício que requer atenção do sujeito, é um objeto de conexão e comunicação; é bem diferente de ouvir, pois demanda, por parte do diálogo, atenção no assunto, entrosamento com o que se trata, percepção com o que foi dito. Isso é comunicação, diálogo, logo, tem-se linguagem envolvida. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) afirmam que:

A linguagem verbal possibilita ao homem representar a realidade física e social e, desde o momento em que é aprendida, conserva um vínculo muito estreito com o pensamento. Possibilita não só a representação e a regulação do pensamento e da ação, próprios e alheios, mas, também, comunicar ideias, pensamentos e intenções de diversas naturezas e, desse modo, influenciar o outro e estabelecer relações interpessoais anteriormente inexistentes.

Por este prisma, o estudo da escuta pode ser concebido como parte indispensável da oralidade.  Então, se a escuta trata-se de comunicação, é possível afirmar que ela conecta e informa aquilo que o sujeito locutor quer dizer, fazendo que o outro sujeito interlocutor interaja da mesma maneira, recebendo essas informações e processando as ideias fornecidas pelo primeiro.
Segundo Freire (1993), “a leitura do mundo precede à leitura da palavra”. Logo, é possível refletir sobre este pensamento e ir além, avalizando que a escuta do mundo também pode preceder, então, a leitura da fala, ou seja, para que um sujeito esteja apto e consiga verbalizar seus pensamentos de forma concisa e segura, antes disso, seria necessário, antes, que ele tenha o exercício pleno da escuta, preste atenção ao enunciado, não somente aos sons.
Esta escuta, como forma de comunicação e socialização pode atender a diferentes espaços, onde há pessoas, porém, é no ambiente escolar que este aprendizado se consolidará. O ensino da escuta poderá ser estruturado como instrumento de comunicação e de aprendizagem sociocultural considerando as práticas de interação na construção das capacidades de linguagem, produzindo um efeito de carência sobre seu destinatário. Nessa perspectiva é fundamental a escolha de textos, para compor o material básico no trabalho com a escuta em sala de aula.
Neste sentido, Bakhtin (1979) dá exemplos da vida cotidiana onde são encontrados facilmente materiais para a exploração da oralidade, tais como, ler uma poesia uma fábula a uma criança, assistir a um filme, apresentar as regras de um jogo, estabelecer um diálogo, etc.
2.3         A ESCUTA PEDAGÓGICA NO AMBIENTE HOSPITALAR  
A identidade de infância é, muitas vezes, dissolvida em uma situação de internação, em que a criança se vê numa realidade diferente da sua vida cotidiana. O papel de ser criança é contido pelas rotinas e práticas hospitalares que tratam a criança como paciente, como aquele que inspira e necessita de cuidados médicos. Esse novo momento de sua vida, entretanto, não precisa somente envolver as rotinas e obrigações hospitalares, o espaço branco com cheiro de dor e sofrimento.
O período de internação de uma criança seja de curto ou longo prazo, pode ser transformado em um momento prazeroso e de continuidade de suas tarefas escolares. Fontes (2005, p. 120) apresentam características que “instigam as possibilidades e os limites de uma educação para a saúde com crianças, [...] de ambos os sexos, [...] e que passam pelo processo de reinserção”.
Será mesmo que há um limite para a educação de qualidade? É possível pensar no hospital como um espaço educacional? É provável o pedagogo hospitalar estabelecer uma aprendizagem diferenciada, sem fugir dos conteúdos obrigatórios datados pela escola de origem? Pode a escuta neste ambiente contribuir para a melhora da saúde deste escolar doente?
Estas e outras tantas perguntas podem surgir ao longo da caminhada de um pedagogo hospitalar. O que ele necessita saber é que “O trabalho do professor é ensinar, não há dúvida, mas isso será feito tendo-se em vista o objetivo maior: a recuperação da saúde, pela qual trabalham todos os profissionais de um hospital”. (FONTES, 2005, p.121, 122). 
Dentre esses profissionais, o pedagogo tem importante papel a ser desempenhado: a escuta precisa ser desenvolvida e ampliada, ainda mais. Partindo dele próprio, em relação a cada caso, até as diferentes abordagens para com o paciente que, por hora, poderá não ser tão paciente assim.
A contribuição das atividades pedagógicas precisa valorizar o lúdico como canal de comunicação com a criança hospitalizada, procurando fazê-la esquecer do ambiente agressivo no qual se encontra, resgatando sensações e situações corriqueiras de seu dia a dia em casa ou na escola vivenciadas anteriormente à entrada no hospital. Segundo Fonseca (1988 apud FONTES) “Ao conhecer e desmitificar o ambiente hospitalar, ressignificando suas práticas e rotinas como uma das propostas de atendimento pedagógico em hospital, o medo da criança, que paralisa as ações e cria resistência, tende a desaparecer, surgindo, em seu lugar, a intimidade com o espaço e a confiança naqueles que ali atuam”.
Neste sentido, salienta-se aqui uma abordagem um tanto quanto inusitada, contudo de fácil acesso e divertida: a poesia. Em outras palavras, é proposta aqui uma abordagem pedagógica por meio da escuta da poesia na classe hospitalar. O seja, aproximar o ambiente hospitalar da realidade almejada pelo paciente, torná-lo um ambiente de troca de experiências, humanizado.
2.4         A POESIA COMO FERRAMENTA FACILITADORA DA ESCUTA NO AMBIENTE HOSPITALAR
              O período que uma criança passa por um hospital, seja para um extenso tratamento, seja para um breve procedimento, pode marcar a sua vida por um longo prazo, ou até para sempre. Então, por que não tornar este momento prazeroso? Por que não transformar sua estadia em uma grande aventura no mundo das letras e da poesia, passeando por entre a matemática, a geografia e, até mesmo as ciências?
              Para Vilarinho (2010) “O objetivo de se trabalhar a poesia em sala é o de estimular a oralidade, a criatividade e a reflexão a respeito de fatos da vida de cada aluno”. Em se tratando de uma classe hospitalar, um espaço atípico para se adquirir conhecimento, estimular a criatividade através da escuta, trabalhando a poesia como forma de expansão pedagógica, este objetivo torna-se ainda mais significativo e valoroso. A poesia pode vir a transformar o estado de espírito de uma criança convalescente, o que antes, não era possível.
              O pedagogo hospitalar, assim como o professor da escola tradicional pode transformar a vida acadêmica de uma criança; porém o primeiro, por encontrar-se em uma situação atípica e não desejada por nenhuma criança, pode fazer a diferença ficar, ainda mais inesquecível.
              Gonçalves, (2013, p.2) fez uso da poesia infantil “como instrumento e recurso no atendimento educacional das crianças hospitalizadas, com o objetivo de analisar as experiências vivenciadas (...)”. Este tipo de pesquisa pode ir além da observação comportamental, a escuta de poesias, como fator contribuinte do aprendizado das disciplinas escolares podem contribuir para a socialização do escolar doente com a família, com a equipe médica e multidisciplinar do hospital, com os professores da escola de origem, com os colegas e, principalmente, como comunicação dela mesma com sua situação de enfermidade.
              É fato que a poesia tem o poder de magia e encantamento, principalmente com as crianças. Sendo assim, Jesus e Silva (2011)

compreende a poesia como linguagem na sua carga máxima de significado e de reflexão , poesia-pensante, mas também ritmo, dança, música, sentimento, emoção, revolução, poesia que tem função social, poesia de caráter humanizador, ético, capaz de mudar o mundo. E para tudo isso é necessário que haja o contato, senão estaríamos falando às paredes, devido o quase inexistente contato que o aluno tem na escola com esse tipo de Gênero Literário.


              Em consonância às falas dos autores, vale lembrar que a poesia, assim como a escuta, enquanto linguagem oral tem como princípio a comunicação. Em se tratando de um ambiente hospitalar, é válido ressaltar que esta comunicação, por hora cansativa e, muitas vezes invasiva, faz-se presente através da ludicidade, da troca de experiência. Sendo assim, a poesia só vem acrescentar para que tal socialização ocorra de maneira sucinta, porém dinâmica.
              Jesus e Silva (2011, apud Gerbara 2011) questionam a poesia, como instrumento de escuta, tais quais: “Como trabalhar com gêneros literários que não parecem fazer parte do cotidiano? Como torná-los significativos para os nossos alunos? Como trabalhar com a autoria em gêneros que exigem domínio da tradição e uma busca pela inovação?”.
              Os poemas revelam representações, conexões, manifestações das mais variadas formas, então, abordar a poesia como instrumento facilitador da escuta dentro da classe hospitalar é ir além do trabalho de gêneros literários. A poesia caminha no campo da inovação e pode sim ser parte de um cotidiano significativo para a criança hospitalizada. A escuta da poesia pode avançar os muros didáticos das disciplinas escolares, ela pode estar presente neste novo “mundo branco” que é o hospital e tudo o que ele venha a representar para cada criança, para cada aluno.
              Por vezes, a poesia pode significar as agulhas, as suturas ou os procedimentos clínicos, ou então, ela pode caminhar em uma nostalgia dos corredores da escola de origem, da saudade daquele professor; ou ainda, em uma simples caminhada da sala de aula à quadra nas aulas de Educação Física.
              Entre uma tentativa e outra, o pedagogo hospitalar, junto com a criança, é que irá trilhar esse caminho. A escuta, neste caso, não incidirá somente por parte do aluno ou da poesia, a escuta partirá do professor, em relação ao escolar e suas exigências. 
3          CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo procurou expor algumas informações que pudessem facilitar o trabalho do pedagogo hospitalar e a aprendizagem de alunos em fase de tratamento. A proposta era mostrar que é possível ajudar estas crianças a compreender e a assimilar seu estado de saúde, à vida anterior à doença, desde que haja união entre a equipe médica e multidisciplinar do hospital, juntamente com a família e a escola de origem do escolar doente.
É necessário que a criança, juntamente com sua família saibam que é possível dar continuidade à escolarização, por hora estacionada, dentro do ambiente hospitalar. Além disso, é de suma importância que uma equipe de serviço social ampare esta família, fazendo-a compreender o andamento das atividades escolares, por meio da escuta de poesias são peças auxiliadoras na melhora física, psíquica e moral daquela criança.  
Por isso, utilizar de recursos como a poesia muito mais trabalhar a interdisciplinaridade, é mexer com a imaginação da criança, é trocar experiências com elas, é conhecer, de perto sua doença e a realidade que a cerca. A poesia, muito mais que um gênero literário, é capaz de ser uma grande aliada na classe hospitalar; é uma linguagem libertadora; ela é lúdica e, ao mesmo tempo, metódica; a poesia é uma linguagem universal que une através da comunicação.
Ao longo das linhas que se transcorreram, acredita-se que foi possível compreender que alunos submetidos a tratamentos de saúde, internado em um hospital, precisam de um cuidado especial. O escolar doente, como foi levantado, não pode e nem precisa abandonar sua antiga vida por causa de seu estado clínico, ao contrário, é neste momento que ele precisa encontrar foças e receber todo auxílio da equipe multidisciplinar do hospital, da família e de sua escola de origem. É um trabalho a ser feito em equipe, em prol da recuperação e dos bem estar da criança.
Sabe-se que a educação é um processo contínuo e sem limites, então, usufruir de meios diferenciados e recursos lúdicos só vem a oferecer à criança possibilidades de uma melhora, não só de seu tratamento, mas também de convivência, autoestima e esperança.
E é muito importante saber que o papel do professor, seja ele da classe hospitalar ou da escola tradicional, é incentivar seus alunos a buscarem sempre mais. Mais condições de viver em um mundo justo para todos, mais reconhecimento de si próprio, enquanto cidadão na sociedade, mais melhorias na saúde e na educação, mais vontade de aprender e apreender.
REFERÊNCIAS
BRASIL (1998) Parâmetros Curriculares Nacionais: 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília/DF: MEC/SEF.
BRASIL. Ministério da Educação. “Orientações para o ensino fundamental de nove anos”. Disponível em: <www.mec.gov.br>. Acesso em 28 out. 2015, às 10h 30 min.
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CORREA, Cleudivan Alves. Poesia na escola: Uma forma significativa de aprendizagem. Disponível em: <http://caccleudivan.bligoo.com.br/poesia-na-escola-uma-forma-significativa-de-aprendizagem#.VjMemrJViko>. Acesso em 20 out 2015, às 23h 40 min. 

DALMÔNICO, Vilde Luzia; FERREIRA, Reginaldo José; PEZZI, Marcelo Rodrigo. Guia para apresentação de trabalhos acadêmicos. Joinville: INESA, 2013.
Diferença entre ouvir e escutar, entender e compreender. Disponível em <http://www.estantevirtual.com.br/busca?q=A-crian%C3%A7a-fala:-a-escuta-da-crian%C3%A7a-em-pesquisa&fp=1>. Acesso em: 12 ago 2015, às 23h.
FÁVERO, L. L.; ANDRADE, M. L. C. V. O.; AQUINO, Z. G. O. Oralidade e escrita:
Perspectivas para o ensino de língua materna. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2005.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário escolar da língua portuguesa – Aurélio júnior. 2. ed. Curitiba: Positivo, 2011.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1993.
GOÇALVES, Adriana Garcia. Poesia infantil no hospital: textos e contextos de crianças hospitalizadas. Revista científica eletrônica de pedagogia. Garça: 2003.  Janeiro. Ano I, número 1.
JESUS, Wellinton Gomes de; SILVA, Eliseu Ferreira da. Como e por que trabalhar com poesia na sala de aula. Revista Graduando. Jan./Jun 2011.
PAULA, Ercília Maria de. O ensino fundamental na escola do hospital: espaço da diversidade e cidadania. Educação Unisinos. Ponta Grossa: setembro/dezembro 2007.

  




[1] Acadêmica do 6º semestre do curso de Licenciatura em Pedagogia do Instituto de Ensino Superior Santo Antônio – INESA.

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