A ESCUTA NO AMBIENTE
HOSPITALAR CENTRADA NA POESIA
Luciana Moreira[1]
Resumo:
A escuta é uma
vertente da linguagem oral, juntamente com a fala. Seu estudo pode ser
concebido como parte indispensável da oralidade, logo, pode-se perceber que se
trata de comunicação. Sendo assim, parafraseando Paulo Freire a escuta do mundo
(prestar atenção nos anúncios proferidos, trocar olhares e gestos com o
locutor, avaliar a fala do outro e, disto saber responder de acordo com o eu
foi dito), precede o ato da fala. Ou seja, escutar é um exercício involuntário,
porém requer atenção por parte do ouvinte, enquanto receptor do enunciado; já a
fala, no papel de protagonista do diálogo e da comunicação, necessita antes,
receber uma mensagem para que seja iniciada, proferida. Esta escuta, como forma
de socialização pode atender a diferentes espaços, onde há pessoas, porém, é no
ambiente escolar que este aprendizado se consolidará. Quando o ambiente escolar caracteriza-se na
forma de classe hospitalar, o pedagogo tem importante papel a ser desempenhado:
a escuta precisa ser desenvolvida e ampliada, ainda mais. Partindo dele
próprio, em relação a cada caso, até as diferentes abordagens para com o
paciente não tão paciente assim. Logo, a poesia, assim como a escuta, enquanto
linguagem oral tem como princípio a comunicação. Em se tratando de um ambiente
hospitalar, é válido ressaltar que esta comunicação, por hora cansativa, faz-se
presente através da ludicidade, da troca de experiências, trazendo benefícios
no tratamento do paciente. O pedagogo hospitalar, junto com a criança, é que
irá trilhar o caminho da escuta através da poesia, todavia, a escuta partirá
também, do professor, em relação ao escolar e suas prioridades e do próprio em
relação à equipe multidisciplinar hospitalar, a sua família e a si próprio.
Palavras-chave: Escuta, classe hospitalar, poesia,
comunicação.
1 INTRODUÇÃO
O
interesse pela poesia surgiu a partir da necessidade de escrever um artigo que
envolvesse a escuta na sala aula, e sua mais ampla ramificação, envolvendo a pedagogia
hospitalar. Muitos temas poderiam ser abordados, porém, o desejo de revelar e
investigar a classe hospitalar como objeto de estudo surgiu por meio da
curiosidade e pela pouca informação que população possui sobre o tema. Se nos
dias atuais pouco se trabalha a escuta a, como linguagem oral nas escolas
tradicionais, na classe hospitalar, então, este contexto quase não é abordado
como estudo linguístico, pouco se valoriza como corrente de estudos
linguísticos e didáticos.
Pois bem, o objetivo
principal deste artigo dá-se, então, em conscientizar uma camada da sociedade,
em especial, os da área da educação dentro do ambiente hospitalar, bem como
toda sua equipe multidisciplinar que envolve desde os médicos especialistas,
passando pela enfermaria, nutricionistas, assistência social e pedagogos
hospitalares, até a família do paciente e os professores da escola de origem; a
olhar o escolar doente como agente participante de seu tratamento, em busca da
cura.
Esta conscientização
envolve muito além dos conteúdos pedagógicos da aprendizagem na sala de aula,
requer que o pedagogo hospitalar humanize este tratamento, busque um
relacionamento de respeito mútuo entre a equipe multidisciplinar, tentando
reinserir-se na sociedade após o período de internação através da educação e da
escuta pedagógica.
Logo, este artigo tem como
função abordar a escuta centrada na poesia dentro do ambiente hospitalar, como
colaboradora no tratamento do aluno internado, fazendo com que ele seja agente
de seu aprendizado, e não paciente.
2
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1
O
QUE É ESCUTA?
A escuta
é uma vertente dos estudos da língua oral, juntamente com a fala. Apesar de
ambas caminharem lado a lado, separá-las para objeto de estudo faz-se
necessário. A preocupação com o desenvolvimento da oralidade dos alunos é
muitas vezes deixada de lado, todavia, precisa ser retomada, bem como
desintegrá-la, para sua melhor compreensão e entendimento.
Segundo
Ferreira (2011, p. 385) escuta significa “prestar o ouvido a; dar atenção a; tornar-se
atento para ouvir; deixar-se guiar”. Escutar é um exercício que requer atenção
do sujeito, é um objeto de conexão e comunicação; é bem diferente de ouvir, pois
demanda, por parte do diálogo, atenção no assunto, entrosamento com o que se
trata, percepção com o que foi dito. Isso é comunicação, diálogo, logo, tem-se
linguagem envolvida. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998)
afirmam que:
A
linguagem verbal possibilita ao homem representar a realidade física e social e,
desde o momento em que é aprendida, conserva um vínculo muito estreito com o
pensamento. Possibilita não só a representação e a regulação do pensamento e da
ação, próprios e alheios, mas, também, comunicar ideias, pensamentos e
intenções de diversas naturezas e, desse modo, influenciar o outro e
estabelecer relações interpessoais anteriormente inexistentes.
Por
este prisma, o estudo da escuta pode ser concebido como parte indispensável da oralidade.
Então, se a escuta trata-se de
comunicação, é possível afirmar que ela conecta e informa aquilo que o sujeito
locutor quer dizer, fazendo que o outro sujeito interlocutor interaja da mesma
maneira, recebendo essas informações e processando as ideias fornecidas pelo
primeiro.
Segundo Freire (1993), “a leitura do mundo precede à
leitura da palavra”. Logo, é possível refletir sobre este pensamento e ir além,
avalizando que a escuta do mundo também pode preceder, então, a leitura da
fala, ou seja, para que um sujeito esteja apto e consiga verbalizar seus
pensamentos de forma concisa e segura, antes disso, seria necessário, antes,
que ele tenha o exercício pleno da escuta, preste atenção ao enunciado, não
somente aos sons.
Esta escuta, como forma de comunicação e socialização
pode atender a diferentes espaços, onde há pessoas, porém, é no ambiente
escolar que este aprendizado se consolidará. O ensino da escuta poderá ser
estruturado como instrumento de comunicação e de aprendizagem sociocultural
considerando as práticas de interação na construção das capacidades de
linguagem, produzindo um efeito de carência sobre seu destinatário. Nessa
perspectiva é fundamental a escolha de textos, para compor o material básico no
trabalho com a escuta em sala de aula.
Neste sentido, Bakhtin (1979) dá
exemplos da vida cotidiana onde são encontrados facilmente materiais para a
exploração da oralidade, tais como, ler uma poesia uma fábula a uma criança,
assistir a um filme, apresentar as regras de um jogo, estabelecer um diálogo,
etc.
2.3 A
ESCUTA PEDAGÓGICA NO AMBIENTE HOSPITALAR
A identidade de infância é, muitas vezes, dissolvida em uma
situação de internação, em que a criança se vê numa realidade diferente da sua
vida cotidiana. O papel de ser criança é contido pelas rotinas e práticas hospitalares
que tratam a criança como paciente, como aquele que inspira e necessita de
cuidados médicos. Esse novo momento de sua vida, entretanto, não precisa
somente envolver as rotinas e obrigações hospitalares, o espaço branco com
cheiro de dor e sofrimento.
O período de internação de uma
criança seja de curto ou longo prazo, pode ser transformado em um momento
prazeroso e de continuidade de suas tarefas escolares. Fontes (2005, p. 120) apresentam
características que “instigam as possibilidades e os limites de uma educação
para a saúde com
crianças, [...] de ambos os sexos, [...] e que passam pelo processo de
reinserção”.
Será mesmo que há um limite para a educação de qualidade?
É possível pensar no hospital como um espaço educacional? É provável o pedagogo
hospitalar estabelecer uma aprendizagem diferenciada, sem fugir dos conteúdos
obrigatórios datados pela escola de origem? Pode a escuta neste ambiente
contribuir para a melhora da saúde deste escolar doente?
Estas e outras tantas perguntas podem surgir ao longo da
caminhada de um pedagogo hospitalar. O que ele necessita saber é que “O
trabalho do professor é ensinar, não há dúvida, mas isso será feito tendo-se em
vista o objetivo maior: a recuperação da saúde, pela qual trabalham todos os
profissionais de um hospital”. (FONTES, 2005, p.121, 122).
Dentre esses profissionais, o pedagogo tem importante
papel a ser desempenhado: a escuta precisa ser desenvolvida e ampliada, ainda
mais. Partindo dele próprio, em relação a cada caso, até as diferentes
abordagens para com o paciente que, por hora, poderá não ser tão paciente
assim.
A contribuição das atividades pedagógicas precisa
valorizar o lúdico como canal de comunicação com a criança hospitalizada, procurando
fazê-la esquecer do ambiente agressivo no qual se encontra, resgatando sensações
e situações corriqueiras de seu dia a dia em casa ou na escola vivenciadas
anteriormente à entrada no hospital. Segundo Fonseca (1988 apud FONTES) “Ao conhecer e desmitificar o ambiente hospitalar,
ressignificando suas práticas e rotinas como uma das propostas de atendimento
pedagógico em hospital, o medo da criança, que paralisa as ações e cria
resistência, tende a desaparecer, surgindo, em seu lugar, a intimidade com o
espaço e a confiança naqueles que ali atuam”.
Neste sentido, salienta-se aqui uma abordagem um tanto
quanto inusitada, contudo de fácil acesso e divertida: a poesia. Em outras
palavras, é proposta aqui uma abordagem pedagógica por meio da escuta da poesia
na classe hospitalar. O seja, aproximar o ambiente hospitalar da realidade
almejada pelo paciente, torná-lo um ambiente de troca de experiências,
humanizado.
2.4 A
POESIA COMO FERRAMENTA FACILITADORA DA ESCUTA NO AMBIENTE HOSPITALAR
O
período que uma criança passa por um hospital, seja para um extenso tratamento,
seja para um breve procedimento, pode marcar a sua vida por um longo prazo, ou
até para sempre. Então, por que não tornar este momento prazeroso? Por que não
transformar sua estadia em uma grande aventura no mundo das letras e da poesia,
passeando por entre a matemática, a geografia e, até mesmo as ciências?
Para
Vilarinho (2010) “O objetivo de se
trabalhar a poesia em sala é o de estimular a oralidade, a criatividade e a
reflexão a respeito de fatos da vida de cada aluno”. Em se tratando de uma
classe hospitalar, um espaço atípico para se adquirir conhecimento, estimular a
criatividade através da escuta, trabalhando a poesia como forma de expansão
pedagógica, este objetivo torna-se ainda mais significativo e valoroso. A
poesia pode vir a transformar o estado de espírito de uma criança
convalescente, o que antes, não era possível.
O
pedagogo hospitalar, assim como o professor da escola tradicional pode
transformar a vida acadêmica de uma criança; porém o primeiro, por encontrar-se
em uma situação atípica e não desejada por nenhuma criança, pode fazer a
diferença ficar, ainda mais inesquecível.
Gonçalves,
(2013, p.2) fez uso da poesia infantil “como instrumento e recurso no
atendimento educacional das crianças hospitalizadas, com o objetivo de analisar
as experiências vivenciadas (...)”. Este tipo de pesquisa pode ir além da
observação comportamental, a escuta de poesias, como fator contribuinte do
aprendizado das disciplinas escolares podem contribuir para a socialização do
escolar doente com a família, com a equipe médica e multidisciplinar do
hospital, com os professores da escola de origem, com os colegas e,
principalmente, como comunicação dela mesma com sua situação de enfermidade.
É fato que a poesia tem o poder de
magia e encantamento, principalmente com as crianças. Sendo assim, Jesus e
Silva (2011)
compreende a poesia como linguagem na
sua carga máxima de significado e de reflexão , poesia-pensante, mas também
ritmo, dança, música, sentimento, emoção, revolução, poesia que tem função
social, poesia de caráter humanizador, ético, capaz de mudar o mundo. E para
tudo isso é necessário que haja o contato, senão estaríamos falando às paredes,
devido o quase inexistente contato que o aluno tem na escola com esse tipo de
Gênero Literário.
Em
consonância às falas dos autores, vale lembrar que a poesia, assim como a
escuta, enquanto linguagem oral tem como princípio a comunicação. Em se
tratando de um ambiente hospitalar, é válido ressaltar que esta comunicação,
por hora cansativa e, muitas vezes invasiva, faz-se presente através da
ludicidade, da troca de experiência. Sendo assim, a poesia só vem acrescentar
para que tal socialização ocorra de maneira sucinta, porém dinâmica.
Jesus
e Silva (2011, apud Gerbara 2011)
questionam a poesia, como instrumento de escuta, tais quais: “Como trabalhar
com gêneros literários que não parecem fazer parte do cotidiano? Como torná-los
significativos para os nossos alunos? Como trabalhar com a autoria em gêneros
que exigem domínio da tradição e uma busca pela inovação?”.
Os
poemas revelam representações, conexões, manifestações das mais variadas formas,
então, abordar a poesia como instrumento facilitador da escuta dentro da classe
hospitalar é ir além do trabalho de gêneros literários. A poesia caminha no
campo da inovação e pode sim ser parte de um cotidiano significativo para a
criança hospitalizada. A escuta da poesia pode avançar os muros didáticos das
disciplinas escolares, ela pode estar presente neste novo “mundo branco” que é
o hospital e tudo o que ele venha a representar para cada criança, para cada
aluno.
Por
vezes, a poesia pode significar as agulhas, as suturas ou os procedimentos
clínicos, ou então, ela pode caminhar em uma nostalgia dos corredores da escola
de origem, da saudade daquele professor; ou ainda, em uma simples caminhada da
sala de aula à quadra nas aulas de Educação Física.
Entre
uma tentativa e outra, o pedagogo hospitalar, junto com a criança, é que irá
trilhar esse caminho. A escuta, neste caso, não incidirá somente por parte do
aluno ou da poesia, a escuta partirá do professor, em relação ao escolar e suas
exigências.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo procurou expor algumas informações que
pudessem facilitar o trabalho do pedagogo hospitalar e a aprendizagem de alunos
em fase de tratamento. A proposta era mostrar que é possível ajudar estas crianças
a compreender e a assimilar seu estado de saúde, à vida anterior à doença, desde
que haja união entre a equipe médica e multidisciplinar do hospital, juntamente
com a família e a escola de origem do escolar doente.
É necessário que a criança, juntamente com sua família
saibam que é possível dar continuidade à escolarização, por hora estacionada,
dentro do ambiente hospitalar. Além disso, é de suma importância que uma equipe
de serviço social ampare esta família, fazendo-a compreender o andamento das
atividades escolares, por meio da escuta de poesias são peças auxiliadoras na
melhora física, psíquica e moral daquela criança.
Por isso, utilizar de recursos como a poesia muito mais
trabalhar a interdisciplinaridade, é mexer com a imaginação da criança, é
trocar experiências com elas, é conhecer, de perto sua doença e a realidade que
a cerca. A poesia, muito mais que um gênero literário, é capaz de ser uma
grande aliada na classe hospitalar; é uma linguagem libertadora; ela é lúdica
e, ao mesmo tempo, metódica; a poesia é uma linguagem universal que une através
da comunicação.
Ao longo das linhas que se transcorreram, acredita-se que
foi possível compreender que alunos submetidos a tratamentos de saúde, internado
em um hospital, precisam de um cuidado especial. O escolar doente, como foi
levantado, não pode e nem precisa abandonar sua antiga vida por causa de seu
estado clínico, ao contrário, é neste momento que ele precisa encontrar foças e
receber todo auxílio da equipe multidisciplinar do hospital, da família e de
sua escola de origem. É um trabalho a ser feito em equipe, em prol da
recuperação e dos bem estar da criança.
Sabe-se que a educação é um processo
contínuo e sem limites, então, usufruir de meios diferenciados e recursos
lúdicos só vem a oferecer à criança possibilidades de uma melhora, não só de
seu tratamento, mas também de convivência, autoestima e esperança.
E é muito importante saber que o papel
do professor, seja ele da classe hospitalar ou da escola tradicional, é
incentivar seus alunos a buscarem sempre mais. Mais condições de viver em um
mundo justo para todos, mais reconhecimento de si próprio, enquanto cidadão na
sociedade, mais melhorias na saúde e na educação, mais vontade de aprender e apreender.
REFERÊNCIAS
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Curriculares Nacionais: 3º e 4º
ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília/DF: MEC/SEF.
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FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos
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PAULA,
Ercília Maria de. O ensino fundamental na escola do hospital: espaço da
diversidade e cidadania. Educação
Unisinos. Ponta Grossa: setembro/dezembro 2007.
[1]
Acadêmica do 6º
semestre do curso de Licenciatura em Pedagogia do Instituto de Ensino
Superior Santo Antônio – INESA.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirParabéns pelo artigo, muito bom
ResponderExcluirMuito obrigada! Att Luciana Moreira
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